terça-feira, 17 de novembro de 2009

Os Anos de Chumbo

Cenas da repressão no Chile

Reunidos na Escola Militar os golpistas formam a Junta Militar que governará o país e decretam estado de guerra e o estado de sítio. Pelo estado de guerra, não previsto na Constituição de 1925 que ainda vigorava, qualquer pessoa poderia ser detida ou mesmo sumariamente executada em qualquer lugar e sem a menor explicação. Era a institucionalização da barbárie pura e simplesmente.

O Decreto Lei nº 1, de 11 de setembro de 1973 dava posse a Augusto Pinochet na presidência da Junta de Governo que, a partir daí passa a governar por Decretos. Em 27 de julho Pinochet assume como “Chefe Supremo da Nação” em virtude do Decreto Lei Nº 527 e, em 17 de dezembro, por força do Decreto Lei Nº 806 o cargo volta a ser o de Presidente da República. O Congresso é fechado em 21 de setembro e o governo militar assume as funções legislativas.

A repressão e as perseguições políticas vitimam grande parte dos líderes do antigo governo da Unidade Popular e líderes dos partidos de esquerda. O Estádio do Chile, o Estádio Nacional de Santiago, Villa Grimaldi, Quatro Álamos são transformados em campos de detenção e tortura, a exemplo de vários outros locais por todo o país.

Durante a implantação do governo militar mais de três mil pessoas foram assassinadas pelos órgãos de repressão. O general Bachelet, pai da atual presidente, o cantor Victor Jara, o advogado e ministro José Tohá são figuras eminentes que perderam a vida assassinados pelos órgãos de repressão da ditadura. Mais de 300 mil pessoas foram detidas e mais de 35 mil pessoas foram barbaramente torturadas. Muitos procuraram o exílio, mas foram brutalmente assassinados em atentados no exterior, como o general Carlos Prats na Argentina e Orlando Letelier, em Washington, fato que faz com que o governo Carter passe a fazer junto a organismos internacionais duras críticas à ausência de liberdades democráticas no Chile.

A ditadura militar brasileira apóia o golpe e envia ao Chile o delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), Sérgio Paranhos Fleury, e o capitão do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), Enio Pimentel Silveira, conhecido nos porões do regime como doutor Nei, como “professores” de tortura para ensinarem os militares chilenos.

Os meios de comunicação são postos sob ferrenha censura e muitos deles são expropriados, invadidos e vários jornais são incendiados. Os que financiados pela CIA se colocaram a favor dos golpistas, como o “El Mercurio”, cumprem agora papel de porta voz da Junta Militar.

No plano econômico os militares colocarão em prática a receita neoliberal de cunho monetarista preconizadas pelo economista americano, professor da Universidade de Chicago, Milton Friedman, reduzindo gastos públicos a partir do corte de investimentos, enxugamento da máquina administrativa por meio da redução drástica de postos de trabalho no setor público, aumentando impostos e arrochando salários. Como conseqüência das medidas adotadas a economia chilena entra em uma grave recessão. As exportações caem drasticamente e o desemprego atinge a casa dos 16% da população economicamente ativa.

A partir do ano de 1977, beneficiada pela abundância de capitais em nível internacional e pela alta dos preços do cobre no mercado exportador a economia chilena vai conhecer um período de crescimento acelerado, período que ficou conhecido como o dos “milagres econômicos” das ditaduras latino-americanas, visto que, na época, os países latino-americanos foram tomados de assalto por ditaduras militares, apoiadas pelos Estados Unidos e que seguiam a mesma receita neoliberal.

A Operação Condor, arquitetada pelo chileno Manuel Contreras, na época chefe do DINA, praticava terrorismo de estado com apoio da CIA, em conjunto com outras ditaduras, em todos os países do Cone Sul, assassinando lideres da oposição e, até mesmo ex-presidentes.

Para dar ares de legitimidade a seu governo Pinochet convoca dois plebiscitos, um em 1978 e outro no final de 1979. No de 1978, segundo o governo, votaram quase cinco milhões de chilenos e o SIM ganhou na proporção de 4 para 1 eleitor. Ainda não existiam os registros eleitorais e, devido a inúmeras irregularidades no processo, os resultados foram desacreditados.

As pressões internacionais contra a violação dos direitos humanos no Chile se avolumam e Pinochet, por meio do Decreto Lei Nº 2.191 concede anistia a todos os que haviam cometido delitos desde o golpe como autores, cúmplices ou encobridores. A medida objetivava claramente colocar a salvo da Lei assassinos e torturadores a serviço do estado de exceção. A imprensa, por sua vez, passa a revelar o destino dos primeiros desaparecidos.

O Ocaso da Ditadura Militar

O personalismo de Pinochet, os reflexos do modelo econômico adotado e as práticas terroristas adotadas pelo Estado chileno produzem racha no grupo golpista; assim é que o comandante da Força Aérea chilena, Gustavo Leigh, principal articulador do golpe de estado, faz duras críticas em entrevista ao jornalista Paolo Bugialli, publicada em julho de 1978 no periódico italiano Corriere della Sera. Diante da recusa em se retratar das declarações feitas é substituído por Fernando Matthei.

Em 11 de março de 1981 o Chile teria uma nova Constituição e, embora não tenha sido outorgada, não foi obra de uma Constituinte e o referendo que a aprovou teve os mesmos vícios do plebiscito feito anos antes. Sua elaboração esteve a cargo de uma comissão que elaborou um primeiro projeto que foi enviado em outubro de 1978 ao Conselho de Estado, presidido por Jorge Alessandri que, após dois anos e várias modificações entrega o projeto da nova Constituição à apreciação da Junta Militar que nomeia um grupo de trabalho para efetuar a revisão final. Após um mês e tendo realizado novas modificações remete novamente á Junta Militar que a aprova marcando um referendo popular sem que os registros eleitorais fossem abertos. Ao final do processo a Junta informa a aprovação da nova Constituição por 68,95% dos votos. A nova carta prorrogava o mandato do ditador por mais dez anos.

No mesmo ano os sintomas de uma nova crise econômica começavam a serem sentidos. Embalados pela nova crise mundial o país entra em recessão e o desemprego atinge a cifra de 25% da população economicamente ativa. O preço do cobre despenca e a balança comercial apresenta déficit de 20%.

Incentivados pela política de câmbio fixo do período anterior, muitas empresas e o governo recorreram a empréstimos internacionais, mas com a inevitável desvalorização da moeda nacional ocorrida em 1982 bancos e empresas começam a quebrar.

A pressão inflacionária e o desemprego crescente fazem surgir as primeiras manifestações pacíficas contra a política econômica do governo, mas são reprimidas com violência pelo exército. O estado de sítio é novamente decretado e ressurgem as organizações armadas de esquerda, como a Frente Patriótica Manuel Rodriguez que, em 27 de dezembro de 1986 atenta contra a vida de Pinochet. O malogro da operação armada dá início a uma forte onda de repressão.

No ano anterior inicia-se a aproximação da Junta Militar com a Aliança Democrática, frente formada por democratas cristãos e socialistas moderados, e a partir da intervenção do Cardeal Francisco Fresno é firmado, em agosto de 1985 o “Acordo Nacional para a Transição à Plena Democracia”, encarado por setores das forças armadas e pela esquerda radical com ceticismo.

Neste mesmo ano o país foi novamente sacudido por um terremoto de grandes proporções causando grandes estragos em Santiago, Valparaíso e San Antonio. No cenário econômico o país recuperava-se e estava em curso o “segundo milagre” produzido a partir do modelo neoliberal e à custa da privatização de grandes empresas como a LAN Chile, Entel, e outras.

Como desmembramento do acordo firmado para a transição democrática é promulgado em 1987 a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, que abria a possibilidade de formação de agremiações partidárias e a Lei Orgânica Constitucional, que disciplinava o sistema de inscrições eleitorais e permitia a abertura dos registros eleitorais. Desta forma, abria-se uma brecha para o cumprimento do preceito constitucional contido na carta de 1980 que previa a realização de um plebiscito para ratificar a escolha do presidente da república, por um período de oito anos do candidato escolhido pelos Comandantes chefes das Forças Armadas e pelo General Diretor dos Carabineiros. No caso de o resultado ser adverso o mandato de Pinochet seria prorrogado por um ano e seriam convocadas eleições para presidente e para o Parlamento.

No ano seguinte os Comandantes Chefes das Forças Armadas e o General Diretor dos Carabineiros, escolhem como candidato Pinochet e, como determinava a Constituição, é marcado um referendo para 5 de outubro. A candidatura Pinochet era apoiada pelo Partido da Renovação Nacional, pela União Democrata Independente e vários pequenos partidos. Para defender o “Não” a oposição criou a “Concertacion de Partidos” que agrupava a Democracia Cristã, o Partido Pela Democracia, algumas facções do Partido Socialista e vários pequenos partidos, todos de oposição.

Em 5 de setembro, um mês antes do plebiscito, inicia-se a propaganda eleitoral após 15 anos de ditadura. Os partidários do “Não” fazem uma campanha procurando mostrar um futuro otimista e promissor, enquanto que os partidários da permanência de Pinochet no cargo optam por fazer uma campanha alardeando o medo do retorno da Unidade Popular em caso de derrota. Apurados os votos o “Não” vence com 55,99% e o “Sim” obtém 44,01%.

Apesar de o silêncio inicial de Pinochet transparecer a intenção de não reconhecer o resultado das urnas, acaba por fazê-lo e declara a intenção de cumprir a Constituição. Com o reconhecimento do resultado do plebiscito são marcadas eleições para 14 de dezembro de 1989 e apresentam-se como candidatos, Patrício Aylwin, pela Concertacion, Hernán Büchi, como candidato da situação e Francisco Javier Errázuriz, como candidato independente. Aylwin vence o pleito com 55,17% dos votos.

A era Pinochet finalmente chegava ao fim. Durante os 15 anos de ditadura Pinochet, seus familiares e apadrinhados acumularam fortunas surrupiadas do tesouro chileno.

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