terça-feira, 15 de novembro de 2011

Entre o Projeto Coletivo e o Individualismo “Moral”: PT e PSDB na Propaganda Eleitoral Brasileira de 2010



A pesquisadora Marcia Dias (PUCRS) apresentou no 35º encontro anual da Anpocs paper que objetivou apreender e analisar a imagem partidária propagada pelas duas maiores legendas em disputa pela Presidência do Brasil em 2010: PT e PSDB. A pesquisa parte da base de dados coletada e analisada em trabalhos anteriores, que tiveram como objetivo investigar as diferentes estratégias através das quais os partidos políticos constroem a sua imagem nos programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). Os objetivos específicos são: (1) incorporar a campanha de 2010 à base de dados já existente, tomando como ponto de partida a análise do grau de protagonismo desses partidos em suas propagandas eleitorais; (2) captar, classificar e analisar o discurso anti-partido da campanha do PSDB; (3) analisar o papel do presidente Lula na campanha de sua sucessora, Dilma Rousseff; (4) analisar a presença do símbolo do partido assim como o significado que o uso da cor vermelha tiveram na campanha do PT. Enfim, importa discutir em que medida os partidos são tratados como instituições essenciais para o jogo democrático: quando são relevantes, discutir a natureza dessa relevância; quando são descartáveis, discutir o tipo de argumento que sustenta sua insignificância.
Vejamos as conclusões da autora:
Este artigo teve como propósito elaborar um diagnóstico da imagem partidária na propaganda eleitoral na televisão durante as campanhas presidenciais brasileiras, a partir da redemocratização. Os objetivos que nortearam a pesquisa foram identificar a intensidade da visibilidade partidária, tanto visual quanto discursiva, a fim de classificar a relevância do papel de cada partido em seu “próprio espetáculo”, já que o HGPE é distribuído partidariamente, segundo o tamanho de cada bancada parlamentar.
primeiro conjunto de dados apresentados destaca a irrelevância da imagem partidária nas campanhas presidenciais de todos os partidos concorrentes. Este é o sintoma mais evidente da crescente profissionalização das campanhas presidenciais no Brasil, que possui como consequência, segundo a literatura especializada, o enfraquecimento do papel que os partidos exercem nas campanhas de seus candidatos. Já as campanhas televisivas para cargos Legislativos se destacaram pela intensidade da presença partidária junto a seus candidatos. Tal fenômeno explica-se, em primeiro lugar, pelo próprio sistema eleitoral brasileiro que computa tanto votos dados diretamente aos candidatos quanto votos de legenda para o cálculo do coeficiente partidário. Em segundo lugar, a utilização do tempo destinado às campanhas para o Legislativo na promoção da candidatura aos cargos Executivos do mesmo partido também contribuiu para o alto índice de partidarismo das referidas campanhas.
Em um ambiente tão diverso, optei por trabalhar neste artigo exclusivamente as campanhas presidenciais: a imagem partidária pode, portanto, ser analisada em um contexto de escassez, reduzindo a irrelevância da estratégia partidária e tornando os partidos comparáveis entre si.
Desde 1994, as eleições presidenciais no Brasil têm sido polarizadas entre dois partidos, os únicos que participaram das seis eleições ocorridas no período analisado: PT e PSDB. Entre 1989 e 1998, o PT ficou em segundo lugar nas disputas; entre 2002 e 2010, o PSDB terminou em segundo lugar. À exceção de 1989, as demais eleições foram ganhas por esses dois partidos: 1994 e 1998 pelo PSDB; 2002, 2006 e 2010 pelo PT. Dessa forma, configurou-se virtualmente um sistema bipartidário, visto que apenas dois partidos vêm apresentando vocação majoritária em âmbito nacional, o que justifica que a análise qualitativa tenha se concentrado nos mesmos.
Da análise quantitativa apreendeu-se as seguintes conclusões:
  • Dos partidos analisados, apenas o PT pode ser considerado “protagonista” de sua campanha eleitoral;
  • PDT e PPS, os outros dois partidos analisados por terem participado de três das seis campanhas, atuaram, em média, como “coadjuvantes”;
  • O PSDB atuou, em média, como “figurante” em suas campanhas, caracterizando-se como o partido que mais aposta na estratégia individualista;
Depois de contabilizadas as referências partidárias em cada campanha, tanto visuais quanto verbais, analisou-se o tipo de imagem que cada partido projetou: intensa, difusa ou indireta. Na imagem partidária projetada nas campanhas do PT e do PDT predominou o tipo intenso ou explícito; nas campanhas do PPS e do PSDB não foi possível perceber o predomínio de nenhum dos tipos de imagem, entretanto registrou-se o uso significativo das imagens difusa e indireta. O PSDB foi o único partido cuja imagem difusa foi mais frequentemente utilizada do que a imagem intensa, acentuando seu perfil personalista.
Em 2010 o perfil individualista das campanhas presidenciais do PSDB ganhou contornos ainda mais acentuados na adoção explícita do argumento anti-partidário. Tal argumento já vinha se delineando desde 1994, quando o PSDB articulou aliança com o Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), e venceu a eleição presidencial com Fernando Henrique Cardoso. Já nessa época a idéia da supremacia do interesse nacional sobre interesses setoriais já estava presente na campanha, justificando a aliança entre a social-democracia e o liberalismo, mas foi em 2006 que tal argumento começou a se transformar em sentimento anti-partido. A razão para a intensificação do argumento tecnocrático-individualista e para a rejeição à instituição partidária na campanha do PSDB tem uma evidente razão política: enfraquecer o adversário pelo que melhor o caracteriza, organização e disciplina partidárias. Como vimos acima, o PT é o partido brasileiro mais consistente, tanto em vínculos com o eleitorado quanto em controle sobre suas elites, o que se confirma por sua participação direta nas campanhas.
O governo que terminava em 2010 sob o comando do presidente Lula apresentava elevados índices de aprovação. O crescimento da economia, o aumento do número de empregos formais e o sucesso dos programas sociais do governo não contribuíram para a construção de uma campanha oposicionista com base em argumentos retrospectivos. Neste cenário, a campanha do PSDB investiu no prestígio do seu candidato, no argumento da superioridade moral e da capacidade individual para construir a unidade e articular o bem comum em substituição à política partidária, apresentada como algo desprezível e ameaçador.
que mais se destacou na campanha presidencial do PT em 2010 foi a intensa participação do Presidente Lula na defesa da candidatura daquela que seria sua sucessora. Sua influência na escolha do eleitor é considerada por muitos analistas peça-chave no sucesso da campanha do PT. Neste artigo, procurei analisar a natureza da participação de Lula na campanha e concluí que, contrariamente à lógica do senso comum, isso não significou a decadência do Partido dos Trabalhadores ou sua fragilidade na campanha, mas ao contrário, confirmou o sucesso eleitoral da estratégia partidária. Lula encarnou o PT ao dizer que o voto em Dilma Rousseff era equivalente ao voto nele mesmo, uma vez que eles eram parceiros em um mesmo projeto político, não declaradamente partidário em função do sentimento anti-partido difundido no eleitorado, mas equivalente.
A função do partido político em qualquer democracia é reunir pessoas com uma ideologia e um projeto em comum. Ao afirmar que a participação de Dilma em seu governo foi fundamental para o sucesso obtido e que a continuidade do mesmo estaria garantida com a sua eleição, Lula favoreceu a transferência da sua popularidade – não como líder carismático, porque isso não se transfere, mas como governante – à candidata de seu partido. A estratégia adotada na campanha ao investir na imagem do presidente Lula, portanto, não foi personalista, mas partidária, ao afirmar um projeto coletivo cujos símbolos eram a estrela, marca registrada do PT, e a cor vermelha.
A estrela vermelha é um símbolo universal de orientações político-ideológicas de esquerda, especialmente socialistas ou comunistas. É a estrela na boina de Che Guevara, símbolo universal do movimento revolucionário de esquerda, especialmente na América Latina. Não é preciso conhecimento teórico sobre o assunto: é de domínio público, pertence ao senso comum. Nesse sentido, a proeminência do símbolo partidário na campanha do PT, especialmente em 2010, é ainda mais eloquente do que sua própria sigla e sustenta um conteúdo ideológico ainda mais robusto. A estrela esteve presente em 54% das peças analisadas da campanha do PT de 2010. Apenas em termos comparativos, o tucano, símbolo do PSDB, estrela da campanha de 1989 (presente em um terço das peças analisadas), apareceu apenas duas vezes na campanha presidencial de 2010. Isso mostra que o PT não teve sua identidade fragilizada pela “moderada” experiência governamental. A estrela é certamente uma marca, porém, uma marca carregada de significados.
O vermelho é a cor predominante nas bandeiras da maioria dos partidos socialdemocratas, nacionalistas, socialistas e comunistas. Assim como a estrela, a cor vermelha possui um significado ideológico implícito. A campanha de 2010 foi uma das mais vermelhas do período analisado. O vermelho sempre esteve presente nas campanhas através das imagens de comícios, um ponto forte do PT. Neste ano, porém, esteve presente de forma ainda mais contundente, na medida em que foi “vestido” pela candidata. Em 100% dos programas televisivos veiculados, Dilma Rousseff aparece pelo menos uma vez vestida de vermelho. Isso demonstra um compromisso pessoal da candidata com os valores de esquerda e, sobretudo, um compromisso com o PT, partido ao qual se filiou tardiamente, depois de passar pelo PDT.
Em sua reta final, a campanha de 2010 transformou-se em um dos episódios mais lamentáveis da história política brasileira: trocou argumentos políticos por argumentos morais, misturou política e religião ferindo o princípio de laicidade do Estado Moderno, atacou instituições indispensáveis para a democracia como são os partidos políticos. A internet, que não foi objeto de análise neste artigo, tornou-se veículo para o ataque entre candidatos: conviveram neste ambiente discussões ideológicas, acusações morais, e mensagens eletrônicas difamatórias. Por isso mesmo, a internet torna-se progressivamente um campo profícuo para a investigação acadêmica dos processos eleitorais. Agenda indispensável para estudos futuros.
Acesse o artigo na íntegra:
http://www.anpocs.org.br/portal/35_encontro_gt/GT25/MarciaDias.pdf

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