“O poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder”
Manuel Castells
Vivemos em plena quarta revolução comunicativa e, da mesma forma que as outras três anteriores, a adoção de novas tecnologias e novos meios de comunicação possibilitam com que a mensagem chegue a um público cada vez maior em um espaço de tempo cada vez mais reduzido e com um custo cada vez menor. Além disso, são criadas possibilidades de novas práticas sociais e novas formas de interação do homem com a paisagem.
A velocidade espantosa das transformações ocorridas é sem precedentes na história e teve início na década de 60, em pleno auge da Guerra Fria. Visando interligar pontos estratégicos a uma rede descentralizada que não pudesse ser destruída por bombardeios, o Departamento de Defesa do governo americano cria a ARPANET.“Na época contemporânea, a humanidade estaria enfrentando uma ulterior revolução comunicativa, implementada pelas tecnologias digitais, que, numa concepção histórica, constituiria a quarta revolução e que, como as outras, estaria ocasionando importantes transformações no interior dos distintos aspectos do convívio humano”. (FELICE: 2008, p.22)
Em pouco tempo várias Universidades americanas são conectadas à rede e passam a participar do projeto contribuindo para seu aprimoramento. No ano de 1972 a @ passa a ser utilizada para a troca de emails e, em 1974 a palavra Internet é utilizada pela primeira vez pelo cientista Vinton Cerf. No ano de 1983 o TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol), linguagem comum usada por todos os computadores conectados à rede é criada e em 1991, Tim Berners-Lee e Robert Cailliau criam a World Wide Web, sistema de hipertextos que funciona a partir de links clicáveis que levam a outros sites. Castells comenta em sua obra o surgimento e a apropriação da Web como instrumento de resistência política.
“Como se sabe, a Internet originou-se de um esquema ousado, imaginado na década de 1960 pelos guerreiros tecnológicos da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (a mítica DARPA) para impedir a tomada ou destruição do sistema norte-americano de comunicações pelos soviéticos, em caso de guerra nuclear. De certa forma foi o equivalente eletrônico das táticas maoístas de dispersão das forças de guerrilha, por um vasto território, para enfrentar o poder de um inimigo versátil e conhecedor do terreno.O resultado foi uma arquitetura de rede que, como queriam seus inventores, não pode ser controlada a partir de nenhum centro e é composta por milhares de redes de computadores autônomos com inúmeras maneiras de conexão contornando barreiras eletrônicas... Essa rede foi apropriada por indivíduos e grupos no mundo inteiro e com todos os tipos de objetivos, bem diferentes da extinta Guerra Fria. Na verdade, foi pela Internet que o subcomandante Marcos, líder dos zapatistas de Chiapas, comunicou-se com o mundo e com a mídia, do interior da floresta de Lacandon. E a internet teve papel instrumental no crescimento da seita chinesa Falun Gong, que desafiou o partido comunista da China em 1999, bem como na organização e na difusão do protesto contra a Organização Mundial do Comércio em Seattle, em dezembro de 1999”. (CASTELLS: 2005, p. 44)O advento da rede mundial de computadores rompe a passividade ao transformar o público espectador em produtor de conteúdos e a comunicação instantânea, em tempo agora corre não mais de um emissor para um receptor, passivo que assiste a tudo como a um espetáculo do qual faz parte como mera audiência. É a dissolução do paradigma no qual se assentavam os estudos desenvolvidos sobre a cultura de massas. O esquema emissor, mensagem, meio, receptor e ruído não mais fazem sentido no âmbito da comunicação digital.
A utilização dos meios digitais disponíveis, tais como os notebooks, as webcam, a máquina fotográfica digital, os smartphones possibilitam a obtenção e produção de informações em tempo real, teoricamente em qualquer lugar.“Em nível comunicativo, a passagem das tecnologias analógicas para aquelas digitais comporta a alteração do processo de repasse das informações, alterando a direção dos fluxos comunicativos e, sobretudo, a posição e a identidade dos sujeitos integrantes. Como foi descrito por diversos autores (Shannon-Weaver, Eco, e Fabbri), em níveis diferentes de complexidade, a forma analógica se exprime pelo repasse das informações procedente de um emissor em direção a um receptor através da emissão de um fluxo unilateral distribuído por canais e com as intervenções de ruídos. Ao contrário de tal modelo, a comunicação digital apresenta-se como um processo comunicativo em rede e interativo. Neste, a distinção entre emissor e receptor é substituída por uma interação de fluxos informativos entre o internauta e as redes, resultante de uma navegação única e individual que cria um rizomático processo comunicativo entre arquiteturas informativas (site, blog,comunidades virtuais etc.) conteúdos e pessoas”. (FELICE: 2008, p.44-45)
No que se refere à participação política a rede digital rompe com o personalismo que caracteriza a comunicação eletrônica. A tendência hoje é a da formação de redes virtuais que, cada vez mais, aglutinem pessoas ao redor do mundo em torno de problemáticas específicas para a troca de experiências para buscar soluções. Cada vez mais a postura passiva que transferia a solução dos problemas da sociedade para o político-líder vai sendo substituída na rede pela participação consciente.
Felice propõe a transposição do conceito de “obra aberta”, elaborado em 1962 por Umberto Eco para a sociedade mediada pelas tecnologias digitais, uma vez que estas se apresentam como inacabadas e abertas à participação colaborativa.“As redes digitais instauram uma forma comunicativa feita de fluxos e de troca de informações “de todos para todos”. Em função da quantidade ilimitada de informações que poder ser veiculadas na rede, a temporalidade também é distinta, praticamente em tempo real, resultando instantâneas todas as formas de comunicação na web. Do ponto de vista político, com relação à forma analógica, mudam os meios utilizados, as formas e os conteúdos”. (FELICE: 2008, p.52-53)
“O conceito de sociedade aberta pode ser definido, a partir deste ponto de vista, como um conceito projeto, isto é, um campo de possibilidade, um conceito em movimento que, com o tempo e as interações criadoras dos internautas, passa a assumir formas diversas. Trata-se de um deslocamento conceitual importante que, pondo ênfase na crise do antropocentrismo, define as sociabilidades e as culturas contemporâneas como realidades que nascem nas redes e nos fluxos informativos digitais e que, em seguida, tomam formas e espaços em localidades e topografias conectadas.
Abrem-se assim, as possibilidades de se pensar um novo conceito de virtualidade, e também outro conceito de social. A sociedade a código aberto, mais do que um conjunto de definições de conceitos, é também uma prática e uma forma de habitar, na qual construímos conteúdos e nos apropriamos do mundo através das tecnologias digitais. Portanto, além de um conceito em movimento, um campo de possibilidades, constitui-se num ecossistema no interior do qual habitam todos aqueles que criam idéias, pensamentos, culturas, tempo livre, prazer, arte, conteúdos “na” e “através” das redes. Código aberto, portanto, à contaminação criativa, à participação dos demais, portador de uma ética não mais autoritária, mas tecnologicamente experimental e socialmente não duradoura”. (FELICE: 2008, p.57-58)
As previsões catastróficas de Theodor Adorno e Max Horkheimer que vaticinavam os perigos da formação de ditaduras e governos totalitários, a partir da homogeneização e alienação das mentes, em conseqüência do advento do mass media, embora tenham sido, em certa medida, acertadas no que se refere ao século XX, onde imperava a comunicação analógica, perdem ressonância hoje na era da comunicação digital.
A chamada quarta revolução comunicativa parece destronar, um a um os príncipes, de Maquiavel as Ianni, pois o que está em jogo na rede não é a hegemonia, mas a liberdade de expressão e a busca coletiva de soluções de problemas globais pelos que habitam o mundo atópico das redes sociais digitais.
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